POR LEANDRO MURAD
Cinema Brasileiro
Cartaz Aquarius
AQUARIUS
Aquarius
Kleber Mendonça Filho - 2016

Título original: “Aquarius”. Ano: 2016. Direção: Kleber Mendonça Filho. Roteiro: Kleber Mendonça Filho. Elenco: Sônia Braga, Maeve Jinkings, Irandhir Santos, Humberto Carrão, Zoraide Coleto, Carla Ribas, Fernando Teixeira, Buda Lira, Paula de Renor, Bárbara Colen, Daniel Porpino, Pedro Queiroz, Germano Melo, Julia Bernat, Thaia Perez. País: Brasil. Produção: CinemaScópio Produções, SBS Prodictions, Globo Filmes, VideoFilmes, Estúdios Quanta, Saïd Ben Saïd, Emilie Lesclaux, Michel Merkt. Fotografia: Pedro Sotero, Fabricio Tadeu.

Sinopse: Jornalista aposentada e viúva, Clara (Braga) vive há décadas no mesmo apartamento do edifício Aquarius, uma construção de dois andares na orla de Recife. Ela não tem dúvidas de que quer permanecer ali enquanto viver, mesmo sendo a única moradora que restou no antigo prédio. Porém, a empreiteira proprietária dos demais apartamentos tem interesse em construir ali um condomínio moderno, projeto cuja realização depende apenas da superação desse pequeno obstáculo, o lar de Clara.

“Hoje guardo em meu corpo as marcas do meu tempo”, canta Taiguara na belíssima canção que abre “Aquarius”, preparando os nossos corações para conhecer a incrível personagem vivida por Sônia Braga. Seu passado é apresentado na impecável sequência inicial, que retrata o ano de 1980. De volta ao presente, não restam dúvidas de que o desejo de permanência de Clara não é teimosia, como todos à sua volta tentam fazer crer. Na verdade, ela tem consciência de que ali, naquele objeto que é o Aquarius, está parte da sua vida, da sua história, do seu espírito. E esse casamento entre matéria e espírito é o cerne deste grande filme. As marcas de seu tempo estão no corpo de Clara e nos corpos à sua volta. Uma cômoda é mais que uma cômoda, um disco traz em si uma história que o torna um objeto especial, um livro retirado da estante tem o poder de, instantaneamente, sanar uma briga que parecia insolúvel. Esses objetos trazem em si a memória, tornando-se símbolos da vida vivida. É a isso que Clara se apega: à sua vida, que todos à sua volta insistem em desrespeitar. Ela é colocada no lugar de louca quando todo embate se dá pelo apego de seus algozes à matéria sem espírito, à construção futura que em breve também deverá ser descartada, em um ciclo de lucro e descarte tão rápido que joga fora até a vida de quem ainda vive. O apego defendido bravamente por Clara é ao espírito que vive dentro da matéria. E se essa matéria será consumida um dia, por um câncer ou por cupins, não é direito de ninguém apressar tal processo. Clara, enfim, nos encanta porque também representa uma geração admirável, que, entre outras virtudes, sabia diferenciar o que valia a pena ser guardado do que poderia ser esquecido. E por isso é deleitoso assistir esta crônica de sua vida e de sua luta presente, cujo desfecho, diga-se de passagem, é sensacional.

146 min.